sexta-feira, 10 de setembro de 2010

"Precisas mudar de vida"

"Não conhecemos sua cabeça inaudita
Onde as pupilas amadureciam. Mas
Seu torso brilha ainda como um candelabro
No qual o seu olhar, sobre si mesmo voltado

Detém-se e brilha. Do contrário não poderia
Seu mamilo cegar-te e nem à leve curva
Dos rins poderia chegar um sorriso
Até aquele centro, donde o sexo pendia.

De outro modo erguer-se-ia esta pedra breve e mutilada
Sob a queda translúcida dos ombros.
E não tremeria assi
m, como pele selvagem.

E nem explodiria para além de todas as fronteiras

Tal como uma estrela. Pois nela não há lugar
Que não te mire: precisas mudar de vida."

RAINER MARIA RILKE, O torso arcaico de Apolo


Precisas mudar de vida. Poucas palavras tiveram tanto efeito em mim como estas. Agora, pensando nisso e escutando "El tiempo pasa", de Mercedes Sosa, percebo que talvez seja porque sempre tive resistência a mudanças. Quer dizer, sei que muitas vezes sou eu mesma que estou procurando pela mudança, mas é muito conflituoso o processo de adaptação ao novo estado. Acho que sou muito nostálgica. Isso é intensificado pelo hábito de associar músicas, filmes, livros etc. ao que está acontecendo na minha vida: sempre que entro em contato com essas músicas, filmes e livros eu entro em contato com aquele momento. E fico triste, com saudade. Mesmo que o momento não tenha sido bom, tenho saudade do eu que ficou naquele espaço. Quando eu conheci esse poema do Rilke foi um estrago e tanto. Porque eu entendi, mais do que nunca, que a vida (assim como os relacionamentos - falarei disso outro dia) é como água: precisa estar em movimento, senão estagna e aparece doenças. Mas é tão difícil movimentá-la! Parece que cada braçada contra a correnteza leva embora um pouco do que somos.
Ah, talvez eu esteja sendo dramática... porque sei que, no fundo, é assim que se forma verdadeiramente o que se é; essas perdas também são ganhos, acréscimos. Acho que o meu problema é ter lido Proust, rs. Ops, quer dizer, não li Proust, estou no terceiro volume (com muita luta! rs). Mas o que eu quero dizer é que, assim como "Marcelzinho" (rs), vivo num processo de rememoração que me obriga a pensar no sentido da vida, que me revela a força de pequenos detalhes, de coisas que não percebemos e que, lá na frente, formam um conjunto poderoso que molda o nosso ser. Não vou reduzir sua obra a isso, mas é com essa idéia que eu quero ficar. Às vezes esquecemos que nossa vida é feita de dias, unidades tão pequenas mas com tantas possibilidades! As mudanças que redirecionam nosso caminho surgem nessas unidadezinhas que desprezamos. Precisas mudar de vida... Parece uma idéia forte demais. No entanto, pode vir de algo tão pequeno... Tenho a impressão que esperamos um grande acontecimento para dar esse passo. Mas se pensarmos como nossa vida se transforma num espaço tão pequeno de um ano (que nada mais é do que alguns dias), parece que não é no tempo que devemos buscar esse chamado. O tempo é apenas uma abstração em que nos permitimos acontecer, mas os agentes da mudança são concretos. Sabe quando acontece uma determinada coisa conosco e começamos a levantar aquelas hipóteses divertidas: "e se aquilo não tivesse acontecido?", "e se eu não estivesse naquele lugar?" etc.? Isso só mostra quão concretas são essas coisas, o poder que elas têm - e que ignoramos. Precisas mudar de vida... Pode estar acontecendo agora e nem percebemos. Engraçado como mudamos o tempo todo: comecei o texto querendo falar de coisas grandiosas e fui percebendo que as pequenas têm o mesmo poder - talvez porque sejam mais comuns - e que na expectativa desse ponto sensível se revelar estamos perdendo a dimensão de outros pontos - está certo, mais invisíveis - que nos levem a esse lugar.

Acabo de escrever isso e me pergunto: serão mesmo invisíveis ou estaremos inebriados pela visão de Apolo?...



* Hoje eu gostaria de sugerir um filme - que, dessa vez, tem tudo a ver com o que eu f alei, rs: A Outra, de Woody Allen (aliás, é o meu prefiro dele)

* Ah, a "leitura especial" do dia? Um pouco mais de Rilke, quem sabe...


* Para não ficar denso demais, outro filme do Allen: Melinda e Melinda, para tentar saber se, afinal, a vida é cômica ou trágica (não que dê para saber, mas vale a pena pensar a respeito... e vale a pena ver o filme!).

Um comentário:

  1. Oiii Narinha, eu gostei muito de seu texto e ele me fez refletir bastante em minha vida que no momento está um caos. Gostei bastante da metáfora da agua, muito boa. Parabéns
    Beijoooos Gi ^^

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